Porque é que não o consigo esquecer?
24 de Março, 2025
Boa pergunta, porquê?
Há muitas pessoas a viver relacionamentos e que me relatam comportamentos em que:
- O parceiro parece estar muito envolvido, mas depois desaparece sem explicação;
- A pessoa sente que recebe sinais mistos, alternando entre momentos de profunda conexão e períodos de total frieza;
- Já tentaram sair de uma dinâmica assim, seja de 2 semanas ou 20 anos, mas voltam sempre porque “quando é bom, é mesmo bom” – o sexo, a atenção… – mas depois volta tudo ao mesmo;
- A pessoa é constantemente ghosted pelo companheiro e apesar de haver um entendimento entre ambos, há um sofrimento considerável;
- A relação já terminou mas a ligação ainda persiste há a sempre a pergunta “porque é que não o consigo esquecer?”;
- Se houve um término, racionalmente até sabes que não tem volta, mas o coração ainda mantém esperanças de um regresso à normalidade – apesar dos comportamentos da outra parte indicarem o contrário.
Se já viveste ou vives isto, provavelmente, estiveste ou estás envolvida num ciclo de reforço intermitente.
NOTA IMPORTANTE: cada caso é um caso, eu aqui estou a falar de uma maneira geral e não de uma situação em particular.
O que é o Reforço Intermitente?
O reforço intermitente acontece quando uma pessoa te dá carinho e atenção de forma imprevisível e inconstante – ora é intensa e presente, ora distante e fria.
Porque isto nos prende?
- O cérebro associa a atenção da pessoa a uma recompensa emocional (dopamina);
- Quando essa atenção desaparece, sentes abstinência emocional e queres recuperar aquela sensação;
- Como a pessoa volta de vez em quando, ficas presa na ilusão de que “talvez desta vez seja diferente.”;
- A incerteza cria um vício emocional, por isso não o consegues esquecer.
- É por isso que largar uma relação assim pode ser mais difícil do que largar uma relação onde houve só sofrimento constante. A oscilação entre o “muito bom” e o “muito mau” cria um efeito viciante.
Mas a pessoa está a fazer isto de propósito?
Nem sempre. Depende.
Vamos ver alguns exemplos:
Se a pessoa tem um estilo de apego evitativo:
– Pode sentir a conexão contigo, mas isso assusta-a;
– Quando se aproxima demasiado, sente que pode perder o controlo;
– Em vez de comunicar, afasta-se sem explicação.
O problema com estas pessoas não é que não sentem, é que sentem demais e não sabem o que fazer com isso…
Se a pessoa tem traços manipulativos:
– Pode usar o reforço intermitente para manter alguém preso numa relação desigual;
– Dá-te carinho apenas quando sente que estás a afastar-te, para te manter na dinâmica;
– Quando sabe que já te tem de volta, torna-se fria e distante novamente.
Aqui entramos num campo que pode ser psicopatológico e “diagnosticar” pela internet não é solução, ok?
Cuidado com os rótulos. Há que ver caso a caso.
(mas foge!!)
Seja como for, o facto de não serem intencionais ao provocar a dor no parceiro, ou até de ser uma questão psicopatológica, não as desculpa do que fazem.
Muitas pessoas sabem que têm este comportamento e continuam a envolver-se com outras sem tomar nenhuma acção concreta para mudar e sem assumir responsabilidades.
Isto não faz delas más pessoas, mas sim pessoas que não têm capacidade de fazer escolhas além do medo que sentem.
Seja o que for, o resultado para alguém que está num relacionamento com uma pessoa assim é dor emocional, dúvida constante e sensação de nunca ter segurança na relação – um autêntico inferno!
O que a Psicologia diz
Quando estamos numa relação que desperta inseguranças, abandonos ou dinâmicas de validação, o nosso sistema nervoso pode activar respostas emocionais que vêm da infância ou adolescência. Isto acontece porque:
O apego é programado na infância – As primeiras relações que tivemos com figuras parentais moldam como vamos viver o amor na vida adulta. Se aprendemos que amor vem com ausência, confusão ou medo, podemos inconscientemente recriar isso.
O medo da perda activa o “modo criança” – Se crescemos a ter que “merecer” atenção, podemos entrar em padrões de procura desesperada por migalhas de afecto, como uma criança que implora por atenção dos pais.
O reforço intermitente é viciante – O “agora amo, agora ignoro” mexe com os nossos circuitos de recompensa, fazendo-nos agir como se estivéssemos à espera de aprovação, tal como fazíamos na infância quando procurávamos amor e aceitação.
Relacionamentos que espelham feridas antigas – Às vezes não estamos a amar a pessoa real, mas sim a tentar resolver uma história emocional não concluída do passado.
O que precisas perceber?
- Não tens culpa e não fizeste nada de errado.
- Não é sobre ti. A pessoa tem estes comportamentos erráticos e inconsistentes porque é a forma como ela está “wired”.
- Muitas vezes a pessoa, apesar de poder ter sentimentos por ti, não pensa em ti e no que te está a fazer sofrer porque ela não tem essa capacidade de se colocar no lugar do outro – o medo que sente é maior que tudo o resto;
- Não te esgotes. Nem todo o amor e espaço que possas dar podem “curar” as pessoas. Às vezes nem a terapia ajuda
- Não podes salvar ninguém. É a própria pessoa que precisa resolver o problema e essa decisão tem de partir dela própria.
Como Sair Deste Padrão?
- Reconhece o ciclo → Se uma relação te deixa sempre na dúvida, não é amor.
- Percebe que isto é um vício emocional → O teu cérebro foi condicionado a esperar pequenas doses de validação.
- Lembra-te que o amor certo é leve → Se tens que lutar constantemente para ser vista, essa pessoa não está disponível para ti.
- Protege-te → Afasta-te. Não aceites migalhas emocionais só porque um dia já foi bom.
- Pede ajuda → Psicoterapia, amigos, atividades que te tragam de volta a TI MESMA.
Conclusão
A melhor coisa que podes fazer por ti é trabalhar em ti mesma, fazer terapia, organizar a cabeça, fazer actividades novas, coisas fora da caixa, conviver com pessoas da tua confiança para te ajudar a restabelecer a confiança nos outros (em geral).
Se estás num ciclo de reforço intermitente, lembra-te: não és tu que és intensa ou difícil de amar.
Tu mereces alguém que não te deixe na dúvida, que te escolha com clareza e que esteja presente sem jogos emocionais.
Se alguém te afecta a saúde mental, pensa seriamente, o que é que ainda te prende a essa relação?

Vivo para escrever. Adoro puzzles e mistérios. Não passo sem um cafézinho, música e uma boa dose de ironia. Silêncios são necessários e prazerosos, assim como os livros. * Sou Mestre em Psicologia Clínica e trabalho em part-time como Terapeuta de Shadow Work e Desenvolvimento Pessoal. * O meu trabalho full time é desenvolvido na área de Consultoria Fiscal de PME’s. * As minhas áreas de interesse preferidas são Psicologia Analítica, Mitologia, Filosofia, Psicologia da Religião e Parapsicologia.