Trauma e aprendizagem
27 de Março, 2025
Li há pouco tempo, no Instagram, um artigo sobre Trauma e Aprendizagem que afirmava que “cérebros traumatizados não aprendem“.
Como achei simplista, resolvi escrever sobre a minha experiência e procurar dar outra perspectiva, um pouco mais optimista, espero 🙂

A minha experiência com “cérebros traumatizados”
Fui voluntária durante cerca de 5 anos numa Casa de Acolhimento para Crianças e Jovens em Risco em Oeiras. Dava aulas de Inglês aos miúdos entre os 11 e os 16 anos.
Parece-me óbvio que, independentemente da razão pela qual eles estavam fora das famílias de origem, é muito difícil para uma criança nestas condições ter o mesmo nível de aprendizagem e o mesmo empenho que tem um jovem com segurança e estabilidade emocional.
No entanto, tanto vi miúdos com sérias dificuldades, como vi outros extremamente inteligentes e que, apesar da negligência emocional e do abuso psicológico e físico, eram excelentes alunos.
Saúde mental, trauma e desinformação
Vivemos numa era em que temas como saúde mental e trauma estão cada vez mais presentes no discurso público.
Embora esta visibilidade seja essencial para aumentar a compreensão e reduzir o estigma, há um risco significativo em simplificar questões complexas como o impacto do trauma na aprendizagem e no desempenho pessoal.
É comum encontrarmos afirmações que sugerem que o trauma, o medo ou a vergonha impedem automaticamente a capacidade de aprender e progredir.
Embora existam bases científicas que sustentam a influência das emoções no funcionamento cognitivo, cada indivíduo reage de forma única às adversidades.
Nem todas as pessoas que enfrentam experiências difíceis ficam bloqueadas ou incapacitadas – algumas até encontram nesses desafios uma fonte de motivação e superação.
A capacidade de aprender e evoluir depende de uma multiplicidade de factores, incluindo resiliência pessoal, apoio social, estratégias de coping e até mesmo o contexto cultural em que o indivíduo está inserido.
Algumas pessoas, mesmo enfrentando situações adversas, conseguem utilizar o estudo e o trabalho como mecanismos de fuga ou como ferramentas de fortalecimento interno.
Por outro lado, outras podem sentir-se paralisadas pela dor emocional, o que mostra que não há uma fórmula única ou universal.

Compreensão do impacto do trauma para reduzir interpretações erradas
Generalizações podem levar a interpretações erradas e até a subestimar a força e os recursos internos de quem enfrenta dificuldades.
Além disso, podem criar expectativas limitantes, tanto para quem vive essas experiências quanto para aqueles que tentam oferecer apoio. Perpetuando, assim, a ideia de que todos precisam do mesmo tipo de intervenção ou suporte.
É fundamental que o diálogo sobre trauma e desenvolvimento humano seja feito com sensibilidade, respeitando a diversidade das experiências e reconhecendo que a resiliência se manifesta de formas distintas em cada pessoa.
A verdadeira compreensão do impacto do trauma exige uma abordagem individualizada, baseada na empatia e na abertura para diferentes trajectórias de vida.
Cada pessoa tem a sua história, o seu ritmo e as suas formas de lidar com as dificuldades. Reconhecer isso é o primeiro passo para um discurso mais inclusivo e realista sobre aprendizagem, crescimento e superação.

Vivo para escrever. Adoro puzzles e mistérios. Não passo sem um cafézinho, música e uma boa dose de ironia. Silêncios são necessários e prazerosos, assim como os livros. * Sou Mestre em Psicologia Clínica e trabalho em part-time como Terapeuta de Shadow Work e Desenvolvimento Pessoal. * O meu trabalho full time é desenvolvido na área de Consultoria Fiscal de PME’s. * As minhas áreas de interesse preferidas são Psicologia Analítica, Mitologia, Filosofia, Psicologia da Religião e Parapsicologia.