Contos de Fadas, Mitos e Imagens Arquetípicas
6 de Novembro, 2022
Para que servem os contos de fadas e os mitos em terapia?
Os contos de fadas e os mitos são compostos por símbolos que permitem a sua compreensão por diferentes pessoas: os mitos, de uma forma mais cultural (e para isso contribuem, por exemplo, os vários deuses dos diferentes panteões, intimamente ligados à cultura que lhes dá voz), e os contos de fadas, que, por seu lado, são compreendidos de forma idêntica por qualquer pessoa em qualquer parte do mundo.
Através da linguagem simbólica cada pessoa consegue trazer esses contos/mitos para a sua vida, dando a sua própria interpretação.
Esta linguagem simbólica, que depois é trabalhada em consulta com o apoio de um terapeuta, pode ser encontrada tanto em objectos como uma maçã envenenada, uma rosa que perde pétalas ou as sementes de uma romã, como também nas próprias personagens presentes em cada história.
Imagens arquetípicas nos contos e mitos
Os arquétipos manifestam-se através dos símbolos. Estes símbolos são, portanto, imagens arquetípicas e não o arquétipo em si: são uma manifestação que nos permite compreender e dar forma ao arquétipo.
Podes ler o conjunto de artigos que já escrevemos sobre Arquétipos e Imagens Arquetípicas AQUI
Nas histórias, podemos ver essas imagens arquetípicas representadas através de personagens que participam no desenrolar do enredo.
Por exemplo:
Existe sempre um herói ou uma heroína, que pode ser um príncipe, uma princesa ou alguém de baixa condição social. É esta personagem que irá fazer a sua Jornada.
Muitas vezes esta personagem, que é considerada a principal, tem um amigo que o acompanha, seja da mesma espécie ou não.
Há alguém imediatamente associado à Sabedoria e que também pode assumir várias formas, que aconselha a personagem principal nesta jornada, dando pistas para que o herói/heroína consiga chegar ao seu objectivo. Algumas pistas podem ser mais directas, outras surgem por meio de charadas.
A dualidade do feminino: Fadas, Mães e Bruxas
A Fada Madrinha da Cinderela tem aqui um papel de substituição da mãe, visto que perdeu a mãe biológica e é rejeitada pela madrasta. A madrasta pode ser vista como a Mãe Terrível e a Fada Madrinha como a Mãe Boa (ambos aspectos do arquétipo da Grande Mãe).
Mas nem todas as Fadas são boas, já o dizia Sophia de Mello Breyner Andresen no seu livro “A Fada Oriana”:
Há duas espécies de fadas: as fadas boas e as fadas más. As fadas boas fazem coisas boas e as fadas más fazem coisas más.
No conto original, a Sininho do Peter Pan é extremamente ciumenta e mimada. No folclore escocês existem várias espécies de Fada que são malvadas. E não nos vamos esquecer que na história A Bela Adormecida, muitas vezes pensamos na Maléfica como uma Bruxa, mas na verdade ela sempre foi a Fada Má (The Wicked Fairy) mesmo sem falarmos do spin-off com a Angelina Jolie.
Assim como nem todas as fadas são só boas, nem todas as bruxas são só más. Na história do Feiticeiro de Oz, por exemplo, todos conhecemos Glinda, a Bruxa Boa do Sul, ou a Bruxa do Mar, do conto “A Pequena Sereia”.
O arquétipo da grande mãe
“A Grande Mãe é considerada o arquétipo fundamental da psique humana (corresponde à dimensão do feminino) e se configura de três formas: a mãe bondosa, a mãe terrível e a combinação das duas, a Grande Mãe. A mãe bondosa apresenta os elementos positivos do feminino e masculino, a mãe terrível apenas possui os elementos negativos do feminino e masculino, já a Grande Mãe tem os elementos positivos e negativos de ambas mães e consiste no fruto de nossas experiências ancestrais (genitoras e matriarcais).”
Erich Neumann
Nos contos de fadas e outras histórias, podemos então encontrar a Mãe ou a Madrasta e elas mostram-nos (seja uma ou outra) aspectos da Mãe Boa ou da Mãe Terrível.
Podemos verificar isso também na mitologia por exemplo, no mito de Deméter e Perséfone: se vemos uma mãe cuidadosa e carinhosa enquanto Perséfone ainda vive sob a sua asa, quando esta é levada para o submundo Deméter revela o seu lado de Mãe Destruidora.
A celta Cerridwen não é uma deusa que seja facilmente associada à Mãe, sendo mais vezes vista como Anciã, mas na verdade podemos ver nela ambos os lados da Grande Mãe. Ela é a provedora da vida e da morte.
Por outro lado, num outro mito desta deusa, que comparamos com a Bela e o Monstro (ou A Bela e a Fera) e em que ela assume a figura de Anciã, Cerridwen utiliza o seu poder para transformar a aparência física da pessoa, de acordo com a maneira como essa pessoa a trata.
Bibliografia
Alpalhão, M. (2017). O conto tradicional português e o Imaginário do Mal. Acedido na internet em Maio, 2022 – https://www.academia.edu/80765764/O_conto_tradicional_portugu%C3%AAs_e_o_Imagin%C3%A1rio_do_Mal
Bosker, B. (2020). Why Witchcraft Is on the Rise. Acedido na internet em Junho 2022 – Por que a bruxaria está em ascensão? – O Atlantico (www-theatlantic-com.translate.goog)
Grossman, P. (2019). Here’s What Being a Witch Really Means. Acedido na internet em Junho 2022 – Here’s What Being a Witch Really Means – The New York Times (www-nytimes-com.translate.goog)
Neumann, E. (2021). A grande mãe: Um estudo histórico sobre os arquétipos, simbolismos e as manifestações femininas do inconsciente. Editora Cultrix, 2ª edição. São Paulo.
Von Franz, M. (2000). O Feminino nos Contos de Fadas. Editora Vozes, 2ª edição. Petrópolis, Brasil
Vivo para escrever. Adoro puzzles e mistérios. Não passo sem um cafézinho, música (especialmente heavy metal!) e uma boa dose de ironia. Silêncios são necessários e prazerosos, assim como os livros * Sou Licenciada e Mestre em Psicologia e Terapeuta de Shadow Work * Actualmente continuo a estudar Psicologia Analítica mas também Psicologia da Religião, Filosofia do Yoga e Gnose e Esoterismo Ocidental.
Que giro. Procura o livro do meu amigo, Samuel Pimenta, que falei dele no meu instagram. Acho que a Ophiussa é um "espelho" tão bom disto tudo que falas.