A descida de Inanna ao submundo
3 de Fevereiro, 2021
“Do grande céu, ela se concentrou no grande abaixo. Do grande céu, a deusa fixou sua mente no grande abaixo. Do grande céu Inanna fixou sua mente no grande abaixo. Minha senhora abandonou o céu, abandonou a terra e desceu ao submundo. Inanna abandonou o céu, abandonou a terra e desceu ao submundo. ”
Retirado daqui
Inanna, a todo-poderosa
Inanna, soberana na Suméria, suprema no campo de batalha e na intimidade, decidiu descer ao submundo para participar nas cerimónias fúnebres do cunhado.
Diz a regra que quem vai ao submundo não regressa. Só que esta mulher mete na cabeça que essas normas não lhe são aplicáveis, afinal ela é a Rainha dos Céus e da Terra.
A sua irmã Ereshkigal, Rainha do Submundo, sentiu a afronta e preparou-lhe uma passagem pelos 7 portões até ao Reino Inferior, não muito lisonjeira para uma Rainha.
Ao longo do caminho, Inanna, que se muniu de símbolos de poder, tem de largar todos os seus valiosos pertences, despojando-se de tudo o que a faz ser quem é, ao atravessar cada um dos 7 portões que conduzem ao Submundo.
Submundo, enquanto metáfora para o inconsciente
Se o Submundo é uma metáfora para o inconsciente, o caminho percorrido por esta deusa representa a nossa própria descida ao submundo e as aprendizagens que podemos realizar ao olhar de frente a nossa sombra, integrando-as na consciência.
Quando mexemos com as nossas sombras, com aquilo que varremos inconscientemente para debaixo do tapete, também é necessário despojamento.
Nós achamos que somos todo-poderosos, munimo-nos de confiança, de afirmações positivas e mantras de poder pessoal, mas quando a descida começa temos de ir deixando para trás coisas que nos são preciosas (e que para muitas pessoas são o sustento das suas personalidades).
Temos orgulho da pessoa que achamos que somos e representamos para o mundo e a alma dói-nos profundamente quando chegamos ao Submundo nus e vulneráveis, pois as nossas estruturas internas abalam.
Desapego
Olhando para os pertences que Inanna teve de ir deixando ao longo dos portões, entendemos que este gesto está associado à aprendizagem do desapego emocional, material e espiritual; desapego das ilusões e das máscaras que colocamos até para nós mesmos.
Mas Inanna seguiu decidida e firme, até ao fim, desde o primeiro até ao sétimo portão e nós perguntamo-nos o que terá sentido quando se confrontou com a sua irmã, que tomou uma postura de superioridade ante a sua humilhação e submissão.
O que sentiríamos nós naquela mesma situação?
A resposta pode muito bem ser:
… cada vez que desces ao teu próprio submundo, revolves as tuas entranhas, tomas consciência e sentes vergonha ou arrogância ou raiva, bom… é isso que a Inanna sente e é isso que é suposto sentir. Só assim poderemos caminhar em direcção à ascensão, ou seja, à integração da sombra.
Nota: Este texto foi escrito em setembro de 2020, inspirada pelos ares do Alvor, no sul de Portugal, e publicado em outubro do mesmo ano numa rede social de um antigo projecto – qualquer semelhança não é plágio nem coincidência 😉
Texto final com colaboração e revisão de Joana Silva, autora do site Terapias D’Alma e parceira de escrita e leituras.
Vivo para escrever. Adoro puzzles e mistérios. Não passo sem um cafézinho, música (especialmente heavy metal!) e uma boa dose de ironia. Silêncios são necessários e prazerosos, assim como os livros * Sou Licenciada e Mestre em Psicologia e Terapeuta de Shadow Work * Actualmente continuo a estudar Psicologia Analítica mas também Psicologia da Religião, Filosofia do Yoga e Gnose e Esoterismo Ocidental.
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